
Quando perguntamos para uma criança: “Você me ama?”, ela não se limita a dizer que sim. Abre os braços e mostra: “Esse tanto”. Para ela, o amor tem um tamanho palpável. Mais tarde, tentamos demonstrar de muitas e muitas maneiras quanto é “esse tanto”.A psicanálise nos ensina que aqueles que foram bem amados na infância ao crescer tentam encontrar um companheiro para recriar o paraíso perdido, o mundo perfeito da infância, enquanto os que sofreram privação, que não foram desejados nem queridos, buscam alguém para compensar esse vazio. Assim, vamos pela vida querendo amar para copiar, recuperar o que tivemos ou para compensar o que nunca nos foi dado. Em qualquer um dos casos, sentimos medo: medo de abrir o coração, porque nos expomos ficamos mais vulneráveis ao risco da desilusão, da rejeição. É assustador amar: Ás vezes, um homem diz: “Que desgraça, acho que me apaixonei!” Isso porque se apaixonar pode parecer uma sucessão de quedas livres, como pular de um avião em pleno voo … A sensação é única, entretanto, o risco é imenso. O escritor irlandês Oscar Wilde disse que certas tentações são tão grandes que é preciso muita coragem para ceder a elas. Mas todos sabemos que, na vida, se aprende mais com dez dias de agonia do que com dez anos de felicidade. Quando amamos, sentimos um prazer exuberante, equivalente ao de um homem dirigindo um carro novo, fascinado com os seus poderes recém – adquiridos. Entretanto, parece que existem três fases, três etapas, no processo de conquista do outro. A primeira – a do deslumbramento – dura um dia, um mês, dois meses – se for verão. Desde mais cedo na nossa vida, a excitação se mistura com a superação de obstáculos. Então, à medida que nos desenvolvemos, vamos criando o nosso mapa interno de excitação. Neste mapa estão os riscos que enfrentamos, os nossos conflitos, as nossas lutas pessoais. Superar as barreiras é, portanto, o teste da nossa força e também da força da atracção que estamos sentindo pelo outro. Já a segunda fase da conquista pode ser tão curta quanto um telefonema, dependendo dos nossos medos, das nossas dúvidas, ou tão longa quanto forem os nossos desejos, a nossa fome, os nossos sonhos, e durar muito tempo. Essa segunda fase pode ter um sabor salgado, incrivelmente doce ou amargo. Mas a terceira e última fase, bem, esta nunca sabemos se vamos atingi-la ou não. Por isso sentimos aquele tipo de medo estranho chamado coragem. Nela, rapidamente (ou lentamente), cada um vai mostrando o seu jogo, pondo as cartas sobre a mesa, pensando: “Eu sinto; eu quero; eu posso”. Os dois vão-se abrindo, revelando seus sentimentos, seus pensamentos, e a fronteira entre o permitido e o proibido se começa a dissolver. Mergulha-se no jogo do vai e vem, das trocas, do sexo variado, às vezes, simplesmente guloso, outras vezes, gourmet. Começa agora, de facto, a descoberta do outro. Quando amamos de verdade, amamos porque o outro é isto, isso e aquilo e apesar de o outro não ser nem isto, nem isso, nem aquilo. É nessa fase que se quebra a barreira entre a fantasia e a realidade. Então, quando a pessoa se percebe sendo correspondida, aceita e amada por aquilo que ela é, o nível de intimidade vai-se aprofundando e acontece a entrega. Mas esta entrega não é fácil. É preciso muita coragem para viver as incertezas do amor. Por outro lado, é preciso enfrentar o medo, as dificuldades, porque são elas que nos forçam a prestar atenção em nós mesmos e a luta pelos nossos sonhos. O que buscamos na vida não é passar somente de raspão pelo amor. O que todos nós queremos é criar uma relação emocional em cadeia, para poder ir abrindo os braços, mais e mais, até chegar “nesse tanto”.
No Poder da Amizade ás vezes, busca-se um parceiro sexual, outras, um amigo, porque com frequência a amizade nos oferece coisas que um caso de amor não pode dar. Na verdade, a amizade é uma forma de amor. Ela se estabelece por meio de encontros sucessivos – “quarta-feira”, na semana que vem” –, cada um deles representando um momento de felicidade, uma ocasião durante a qual compreendemos algo novo a respeito de nós mesmos e do outro. Como cada pessoa é diferente, essa desigualdade se torna preciosa, pois cada amigo ajuda o outro a descobrir-se, a entender o que para ele é essencial: “Será que ele/ela me ama? Mas será que isso é amor? “Nessas horas de afinidade profunda, duas pessoas conseguem enxergar a vida pelo mesmo prisma. São esses contactos de corpo e alma que têm importância – o que acontece nos intervalos não conta. Por isso, dois amigos, quando se despedem, dizem sempre “até logo”, “até qualquer hora”, quando se reencontram, é como se tivessem se deixando na véspera, juntando-se imediatamente, ficam em linha directa, como se o tempo não tivesse passado. Por que a amizade tem essa importância? O mundo está cheio de rivalidades, de obstáculos, de inveja. Por isso sentimos fome de amizade, dessa “amizade – refúgio” em que o outro nos entende, nos apoia, revela coisas que jamais seríamos capazes de encontrar sozinhos dentro de nós mesmos. Sim, porque os amigos servem para isso: para nos compreender, nos suprir de energia, nos dar um pouco de esperança. Assim é o amor – amizade: é ele que ajuda cada um de nós a equilibrar sobre os próprios pés, a sentir-nos um pouco mais fortes e assim ter coragem para lutar o próximo round da vida.
Autora do livro
Maria Helena Matarazzo- Desencontros & Reencontros
Editora Gente